União Homoafetiva. Equiparação como Unidade Familiar em Inventário

Chamada:

(…) A Constituição brasileira contempla diferentes formas de família legítima, além da que resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias formadas mediante união estável, hetero ou homoafetivas. O STF já reconheceu a “inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico”, aplicando-se a união estável entre pessoas do mesmo sexo as mesmas regras e consequências da união estável heteroafetiva.

Jurisprudência na Íntegra:

Apelação Cível n. 0306137-24.2015.8.24.0011, de Brusque
Relator: Desembargador Sebastião César Evangelista
PROCEDIMENTO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. PEDIDO DE EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ. AUTORIZAÇÃO PARA TRANSFERÊNCIA DE VEÍCULO PERTENCENTE Á COMPANHEIRA, JÁ FALECIDA. EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE RENÚNCIA DOS HERDEIROS COLATERAIS. ART. 1.790 DO CÓDIGO CIVIL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. REFORMA. DECISÃO PROFERIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, EM REPERCUSSÃO GERAL, NO JULGAMENTO DO RE N. 646721/RS. TEMA 498. ALCANCE DO DIREITO SUCESSÓRIO EM FACE DE UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. EQUIPARAÇÃO COMO UNIDADE FAMILIAR. INTERPRETAÇÃO À LUZ DOS PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. APLICAÇÃO DAS REGRAS DO ART. 1.829 DO CÓDIGO CIVIL. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002. (STF, RE n. 646721/RS).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0306137-24.2015.8.24.0011, da comarca de Brusque Vara da Família Órfãos, Sucessões, Inf e Juventude, sendo Apelante Márcia da Conceição Barbosa.
A Segunda Câmara de Direito Civil decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento para reformar a sentença e determinar a expedição de alvará, nos termos do pedido formulado na inicial. Custas legais.
O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Newton Trisotto, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Rubens Schulz.
Florianópolis, 1º de março de 2018.
Desembargador Sebastião César Evangelista
Relator
RELATÓRIO
Cuida-se de Apelação Cível interposta por Márcia da Conceição Barbosa da decisão proferida na Vara da Família Órfãos, Sucessões, Inf e Juventude da comarca de Brusque nos autos do processo n. 0306137-24.2015.8.24.0011, que julgou improcedente o pedido formulado na inicial para expedição de alvará para autorizar a transferência de veículo em nome de sua companheira, Maria da Luz, falecida em 16/10/2013, para seu nome ou para terceiro que esta indicar.
Na fundamentação, consignou-se que não havendo, na hipótese dos autos, a cessão voluntária dos direitos sobre o automóvel pertencente aos coerdeiros da de cujus, deveria a parte autora ajuizar demanda competente para regularizar a situação, uma vez que não haveria espaço, em procedimento de jurisdição voluntária, para pretensões resistidas. Sustentou, ainda, que o fato de a autora ter custeado parte dos gastos durante o período de enfermidade de sua companheira, não lhe dá o direito de ser compensada pela parte da herança que caberia aos outros herdeiros, a teor do art. 1.790 do Código Civil.
A parte recorrente, reprisando os argumentos esposados na inicial, sustentou que: a) conviveu em união estável homoafetiva durante aproximadamente 12 (doze) anos, situação que foi reconhecida em processo judicial que lhe conferiu o direito à concessão de pensão por morte da companheira; b) o veículo objeto do pedido era o único meio de transporte utilizado para levar a companheira a consultas e exames médicos; c) custeou despesas referentes à manutenção do veículo, além de ter assumido dívidas da companheira; d) a companheira não deixou nenhum outro bem a ser inventariado e o valor de venda do veículo, apesar de irrisório, serviria para custear as despesas e dívidas assumidas. Invoca, por fim, o art. 723 do NCPC (CPC/1973, art. 1.109), segundo o qual, em procedimentos de jurisdição voluntária, é possível o magistrado adotar a solução que considerar mais conveniente e oportuna, não estando adstrito à observância da legalidade estrita. Ao final, requereu o provimento do apelo para julgar-se procedente o pedido.
Recebido o recurso no duplo efeito, os autos ascenderam a esta instância, vindo conclusos, por sorteio.
Este é o relatório.
VOTO
1 Ressalte-se, de início, que tanto a admissibilidade do recurso quanto a legalidade da decisão inquinada são analisadas neste julgamento sob o enfoque do CPC/1973, vigente à época em que publicada a sentença apelada. O CPC/2015 tem aplicabilidade imediata desde 18 de março de 2016 (CPC, artigos 1.045 e 1.046), mas sem efeito retroativo (LINDB, artigo 6º, § 1º; STJ, REsp n. 1.404.796/SP).
2 O reclamo atende aos pressupostos de admissibilidade, observando-se, inicialmente, sua tempestividade. Dispensado a recorrente do recolhimento de preparo por ser beneficiária de Justiça Gratuita. O interesse recursal é manifesto e as razões de insurgência desafiam os fundamentos da decisão profligada. Encontram-se satisfeitos, pois, os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.
3 A sentença merece reforma.
Colhe-se da inicial que a recorrente viveu em união estável homoafetiva há 14 anos, até que sua companheira veio a falecer, sem deixar testamento, conforme informação obtida de sua certidão de óbito (SAJSG, pág. 9). A falecida não teve descendentes, os ascendentes eram falecidos, conforme certidão de págs. 33/34. No entanto, segundo depreende-se das certidões de óbito dos pais da de cujus, a companheira tinha quatro irmãos (Altamiro, Herondina, Pedro e Nelson).
Diante desse contexto, o Juízo de origem, com fundamento no art. 1.790, III, do CC/2002, exigiu a comprovação de renúncia dos direitos hereditários de todos os herdeiros colaterais da de cujus, no caso os irmãos (e respectivas esposas), como condição para que o pedido de alvará pudesse prosperar.
De fato, o aludido dispositivo limita o direito sucessório da recorrente a um terço dos bens adquiridos onerosamente durante a união estável (excluindo-se os bens particulares do falecido), cabendo os outros dois terços aos irmãos da falecida, detentores também da totalidade dos bens particulares da falecida.
No entanto, caso fossem casadas, a recorrente faria jus a totalidade da herança, inclusive dos bens particulares, nos termos do art. 1.890 do CC, uma vez que a ordem de vocação hereditária exclui os colaterais nesse hipótese, por estarem em classe subsequente (CC, art. 1839). Sabido que a vocação dos herdeiros faz-se por classes (descendentes, ascendentes, cônjuge e colaterais) e que existindo herdeiros de uma classe, ficam afastados os das classes subsequentes.
Não se pode olvidar que a doutrina e a jurisprudência convergem para uma mudança de paradigma, a fim de rechaçar a discrepância existente no tratamento jurídico conferido ao companheiro em casos de união estável e ao cônjuge no que diz respeito aos direitos sucessórios que a cada um cabe.
O Supremo Tribunal Federal, em 10 de maio de 2017, ao apreciar o tema 498 da repercussão geral, que aborda sucessão em uma relação homoafetiva, por maioria e nos termos do voto do Ministro Roberto Barroso, reconheceu de forma incidental a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002 e declarou direito do recorrente de participar da herança de seu companheiro em conformidade com o regime jurídico estabelecido no art. 1.829 do Código Civil de 2002.
Cita-se a ementa do julgado:
Direito constitucional e civil. Recurso extraordinário. Repercussão geral. Aplicação do artigo 1.790 do Código Civil à sucessão em união estável homoafetiva. Inconstitucionalidade da distinção de regime sucessório entre cônjuges e companheiros.
1. A Constituição brasileira contempla diferentes formas de família legítima, além da que resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias formadas mediante união estável, hetero ou homoafetivas. O STF já reconheceu a “inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico”, aplicando-se a união estável entre pessoas do mesmo sexo as mesmas regras e mesas consequências da união estável heteroafetiva (ADI 4277 e ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, j. 05.05.2011)
2. Não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo casamento e a formada por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares é incompatível com a Constituição de 1988. Assim sendo, o art. 1790 do Código Civil, ao revogar as Leis nº 8.971/1994 e nº 9.278/1996 e discriminar a companheira (ou o companheiro), dando-lhe direitos sucessórios bem inferiores aos conferidos à esposa (ou ao marido), entra em contraste com os princípios da igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente e da vedação do retrocesso.
3. Com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública.
4. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002.”(RE 646721, rel. Min. Marco Aurélio, rel. p/ acórdão: Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, j. 10.5.2017, pub. 11.9.2017).
Para tanto, firmou-se a seguinte tese:
É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002.
Assim, não mais se justificaria o tratamento diferenciado entre cônjuge e companheiro.
Nesse novo panorama, em uma interpretação das normas à luz dos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana, não se poderia admitir o tratamento diferenciado, ao passo que às relações decorrentes de união estável, hétero ou homoafetivas seriam aplicáveis as mesmas regras sucessórias atribuídas aos cônjuges.
Além disso, a norma do inciso III do artigo 1.790 do Código Civil apresenta-se em antinomia com o artigo 1.725 do Código Civil, segundo o qual, “Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens”.
Necessário ponderar que o Superior Tribunal de Justiça, mesmo antes desta definição, corroborava esse entendimento:
DIREITO DE FAMÍLIA. SUCESSÕES E PROCESSUAL CIVIL. UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO. SUCESSÃO REGIDA PELAS LEIS N. 8.971/1994 E N. 9.278/1996. AUSÊNCIA DE ASCENDENTES E DESCENDENTES DO DE CUJUS. PEDIDO INICIAL QUE SE LIMITA A DIREITO REAL DE HABITAÇÃO SOBRE O IMÓVEL RESIDENCIAL. SENTENÇA QUE O ACOLHE NOS MESMOS TERMOS. RECURSO DE APELAÇÃO. INEXISTÊNCIA. PROPRIEDADE PLENA. PEDIDO REALIZADO EM GRAU DE RECURSO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE.
1. No Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, são reiterados os julgados dando conta da viabilidade jurídica de uniões estáveis formadas por companheiros do mesmo sexo. No âmbito desta Casa, reconheceu-se, inclusive, a juridicidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo (REsp 1.1833.78/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 25/10/2011), tendo sido essa orientação incorporada pelo Conselho Nacional de Justiça na Resolução n. 175/2013.
2. Por outro lado, o silêncio da Lei n. 9.278/1996 não excluiu o direito do companheiro à totalidade da herança, na hipótese de inexistência de ascendentes e descendentes do de cujus, na verdade, afastando a participação de parentes colaterais, tal como previsto no art. 2º, inciso III, da Lei n. 8.971/1994. Precedentes.
3. Todavia, tendo a inicial se limitado a pedir apenas o direito real de habitação e a sentença a concedê-lo, inexistente também recurso de apelação, descabe pleitear, em recurso especial, a propriedade plena do imóvel no qual residia a recorrente com sua falecida companheira.
4. O direito de herança, embora seja decorrência ope legis do reconhecimento da união estável, consiste em direito patrimonial disponível, podendo o titular dele inclusive renunciar por expressa previsão legal (arts. 1.804 a 1.813 do Código Civil), razão por que o juiz deve limitar-se ao que efetivamente é pleiteado pela parte, sob pena de, aí sim, incorrer em julgamento extra ou ultra petita.
5. Recurso especial não provido.”(STJ, REsp 1.204.425/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 11.2.2014).
Mais recentemente, com acréscimo do que decidido pelo STF, colhe-se:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ADOÇÃO. ILEGITIMIDADE ATIVA. SUCESSÃO. CASAMENTO E UNIÃO ESTÁVEL. REGIMES JURÍDICOS DIFERENTES. ARTS. 1790, CC/2002. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO STF. EQUIPARAÇÃO. CF/1988. NOVA FASE DO DIREITO DE FAMÍLIA. VARIEDADE DE TIPOS INTERPESSOAIS DE CONSTITUIÇÃO DE FAMÍLIA. ART. 1829, CC/2002. INCIDÊNCIA AO CASAMENTO E À UNIÃO ESTÁVEL. MARCO TEMPORAL. SENTENÇA COM TRÂNSITO EM JULGADO.
1. A diferenciação entre os regimes sucessórios do casamento e da união estável, promovida pelo art. 1.790 do Código Civil de 2002 é inconstitucional, por violar o princípio da dignidade da pessoa humana, tanto na dimensão do valor intrínseco, quanto na dimensão da autonomia. Ao outorgar ao companheiro direitos sucessórios distintos daqueles conferidos ao cônjuge pelo artigo 1.829, CC/2002, produz-se lesão ao princípio da proporcionalidade como proibição de proteção deficiente. Decisão proferida pelo Plenário do STF, em julgamento havido em 10/5/2017, nos RE 878.694/MG e RE 646.721/RS.
2. Na hipótese dos autos, o art. 1790, III, do CC/2002 foi invocado para fundamentar o direito de sucessão afirmado pelos recorridos (irmãos e sobrinhos do falecido) e consequente legitimidade ativa em ação de anulação de adoção. É que, declarada a nulidade da adoção, não subsistiria a descendência, pois a filha adotiva perderia esse título, deixando de ser herdeira, e, diante da inexistência de ascendentes, os irmãos e sobrinhos seriam chamados a suceder, em posição anterior à companheira sobrevivente. 3. A partir da metade da década de 80, o novo perfil da sociedade se tornou tão evidente, que impôs a realidade à ficção jurídica, fazendo-se necessária uma revolução normativa, com reconhecimento expresso de outros arranjos familiares, rompendo-se, assim, com uma tradição secular de se considerar o casamento, civil ou religioso, com exclusividade, o instrumento por excelência vocacionado à formação de uma família.
4. Com a Constituição Federal de 1988, uma nova fase do direito de família e, consequentemente, do casamento, surgiu, baseada num explícito poliformismo familiar, cujos arranjos multifacetados foram reconhecidos como aptos a constituir esse núcleo doméstico chamado família, dignos da especial proteção do Estado, antes conferida unicamente àquela edificada a partir do casamento.
5. Na medida em que a própria Carta Magna abandona a fórmula vinculativa da família ao casamento e passa a reconhecer, exemplificadamente, vários tipos interpessoais aptos à constituição da família, emerge, como corolário, que, se os laços que unem seus membros são oficiais ou afetivos, torna-se secundário o interesse na forma pela qual essas famílias são constituídas.
6. Nessa linha, considerando que não há espaço legítimo para o estabelecimento de regimes sucessórios distintos entre cônjuges e companheiros, a lacuna criada com a declaração de inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002 deve ser preenchida com a aplicação do regramento previsto no art. 1.829 do CC/2002.
Logo, tanto a sucessão de cônjuges como a sucessão de companheiros devem seguir, a partir da decisão desta Corte, o regime atualmente traçado no art. 1.829 do CC/2002 (RE 878.694/MG, relator Ministro Luis Roberto Barroso).
7. A partir do reconhecimento de inconstitucionalidade, as regras a serem observadas, postas pelo Supremo Tribunal Federal, são as seguintes: a) em primeiro lugar, ressalte-se que, para que o estatuto sucessório do casamento valha para a união estável, impõe-se o respeito à regra de transição prevista no art. 2.041 do CC/2002, valendo o regramento desde que a sucessão tenha sido aberta a partir de 11 de janeiro de 2003; b) tendo sido aberta a sucessão a partir de 11 de janeiro de 2003, aplicar-se-ão as normas do 1.829 do CC/2002 para os casos de união estável, mas aos processos judiciais em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, assim como às partilhas extrajudiciais em que ainda não tenha sido lavrada escritura pública, na data de publicação do julgamento do RE n. 878.694/MG; c) aos processos judiciais com sentença transitada em julgado, assim como às partilhas extrajudiciais em que tenha sido lavrada escritura pública, na data daquela publicação, valerão as regras dispostas no art. 1790 do CC/2002.
8. Recurso especial provido.
(REsp 1337420/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. em 22.8.2017, DJe 21.9.2017)
O órgão Especial deste Este Tribunal de Justiça também já examinou a matéria em arguição de inconstitucionalidade, cujo acórdão restou assim ementado:
ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO SUCESSÓRIO NA UNIÃO ESTÁVEL. TRATAMENTO DIFERENCIADO EM RELAÇÃO ÀQUELE DISPENSADO AO CASAMENTO. INADMISSIBILIDADE. INCISO III DO ARTIGO 1.790 DO CÓDIGO CIVIL. COMPANHEIRO OU COMPANHEIRA QUE, NA SUCESSÃO, AO CONCORRER COM OUTROS PARENTES SUCESSÍVEIS FAZ JUS A APENAS UM TERÇO DA HERANÇA. DISCIPLINA DESALINHADA COM O DISPOSTO NO ARTIGO 226 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INCONSTITUCIONALIDADE.
Na condição de núcleo familiar constitucionalmente albergado, tanto a união estável, quanto o casamento – quanto, ainda, o arranjo monoparental -, ostentam idêntica natureza (art. 226 da Carta da Republica), substanciando-se na comunhão de vidas alicerçada em valores como afetividade, conforto emocional e solidariedade. Nesse sentido, a facilitação, prevista na Constituição Federal para convolar-se a união estável em casamento (§ 3º, do art. 226/CF), não implica um minus da primeira em comparação com o segundo, nem que seja aquela um rito de passagem ou um degrau inferior em relação a este, senão que avulta como instrumento para dar mais segurança jurídica aos próprios companheiros e a terceiros, haja vista as formalidades cartoriais intrínsecas a este último, devendo, porém, ser reverenciada, antes e acima de tudo, a enunciação igualitária de que”a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”(caput do art. 226/CF). Afinal, mais relevante do que o modelo pelo qual a família é constituída, é o modo pelo qual se a protege juridicamente. Como corolário, tem-se que o inc. III do art. 1.790 do Código Civil afastou-se do primado da proteção estatal assegurado à entidade familiar, ao conferir tratamento diferenciado e detrimentoso ao convivente em união estável, no caso de sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na constância da convivência, na disputa com outros parentes sucessíveis, em desalinho, portanto, com a regra protetiva ditada pela Constituição da República. Impende, por isso, reconhecer a inconstitucionalidade desse preceptivo (inc. III do art. 1.790 do Código Civil). (Arguição de Inconstitucionalidade em Agravo de Instrumento n. 2008.064395-2/0001.00, de Presidente Getúlio. Rel. Des. João Henrique Blasi, j. 12.1.2015).
No mesmo sentido é o posicionamento das Câmaras de Direito Civil desta Corte:
APELAÇÃO CÍVEL – ALVARÁ JUDICIAL – CRÉDITOS TRABALHISTAS – LEI N. 6.858/80 – BENEFÍCIO AOS DEPENDENTES PREVIDENCIÁRIOS – EXISTÊNCIA DE OUTROS DESCENDENTES – VIOLAÇÃO AO DIREITO DE HERANÇA E IGUALDADE ENTRE OS FILHOS – CF/88, ARTS. 5º, XXX E 227, § 6º.
A teor do art. 1º da Lei n. 6.858/80, os valores decorrentes da relação empregatícia, não recebidos em vida pelo empregado, serão pagos aos dependentes regularmente habilitados perante a previdência social, sem necessidade do ajuizamento de inventário ou arrolamento. Tal previsão somente poderá ser efetivada na sua integralidade se todos os filhos participarem da lista de dependentes, porquanto, permitir que somente parte deles recebam a importância, violar-se-ia o direito fundamental à herança, previsto no art. 5º, inc. XXX da Constituição Federal, bem como a igualdade incondicional entre os filhos, também estabelecido na Carta Magna, em seu art. 227, § 6º. ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA – UNIÃO ESTÁVEL (CC, ART. 1.790)- INAPLICABILIDADE – DESIGUALDADE NO TRATAMENTO ENTE CÔNJUGE E COMPANHEIRO SOBREVIVOS – ISONOMIA QUEBRADA – VIOLAÇÃO DO ART. 226 DA CF/88 – APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 1.829 DO CC. A Carta Magna de 1988, por meio de seu art. 226, igualou a união estável e o casamento no tocante a direitos e proteção estatal, não havendo qualquer razão para que haja diferenças no tratamento entre os cônjuges e os companheiros. Desse modo, o art. 1.790 do Código Civil, que regula a ordem de sucessão na união estável, mostra-se em desacordo com o ordenamento constitucional, pois não observa a mencionada igualdade, reduzindo o direito do companheiro supérstite, se comparado com o rol de garantias conferidas ao cônjuge sobrevivente. (TJSC, Apelação Cível n. 2007.017209-6, da Capital – Norte da Ilha, rel. Des. Salete Silva Sommariva, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 18.9.2007).
INVENTÁRIO. SUCESSÕES. DECISÃO QUE ESTIPULOU A INCIDÊNCIA DO ART. 1.790, INCISO III, DO CÓDIGO CIVIL, COM A DETERMINAÇÃO DE HABILITAÇÃO DOS PARENTES COLATERAIS DO AUTOR DA HERANÇA. EQUÍVOCO EVIDENCIADO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 1.829, INCISO III, E ART. 1.838, AMBOS DO CÓDIGO CIVIL, A FIM DE VEDAR A DISTINÇÃO ENTRE CÔNJUGE E COMPANHEIRA SOBREVIVENTES PARA FINS SUCESSÓRIOS. INTELIGÊNCIA DO ART. 226, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Com a promulgação da Constituição de 1988 e a elevação da união estável à condição de entidade familiar para conferir-lhe maior proteção do Estado, pode-se falar que a família é gênero, de que são espécies o casamento e a união estável. A distinção aos direitos sucessórios dos companheiros – inciso III do art. 1.790 do Código Civil – viola o princípio constitucional da igualdade, uma vez que confere tratamento desigual àqueles que, casados ou não, mantiveram relação de afeto e companheirismo durante certo período de tempo, inclusive, contribuindo para o desenvolvimento econômico da entidade familiar. Os Tribunais pátrios têm admitido a aplicação do art. 1.829 do Código Civil não só para a cônjuge, mas, também, para a companheira, colocando-as em posição de igualdade na sucessão. RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO. (Agravo de Instrumento n. 2013.057957-4, de Lages. Segunda Câmara de Direito Civil. Rel. Des. Gilberto Gomes de Oliveira, j. 12.6.2014).
Desta colenda Câmara, colhe-se, ainda, precedente recente, da lavra do Des. João Batista Góes Ulysséa, já incorporando na fundamentação o que decidido pelo Supremo Tribunal Federal:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INVENTÁRIO. DECISÃO REJEITANDO A REMOÇÃO DO INVENTARIANTE E EXPLICITANDO A PARTILHA DOS BENS ENTRE OS HERDEIROS E A COMPANHEIRA, COM A APLICAÇÃO DO ART. 1.790, INCISO II, DO CÓDIGO CIVIL. INSURGÊNCIA DA COMPANHEIRA. JUSTIÇA GRATUITA. RECOLHIMENTO DO PREPARO RECURSAL. HIPOSSUFICIÊNCIA REJEITADA. INDEFERIMENTO. O recolhimento do preparo recursal é ato contrário ao pedido de isenção de custas, indicando condições financeiras da parte para suportar as despesas processuais. REMOÇÃO DO INVENTARIANTE. NÃO CARACTERIZAÇÃO DAS HIPÓTESES PREVISTAS NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. NOMEAÇÃO DA EX-COMPANHEIRA PARA O ENCARGO. ROL ALUDIDO NO CPC QUE NÃO É ABSOLUTO. PLEITO RECHAÇADO. Para a remoção de inventariante, as situações elencadas no art. 995 do CPC/1973 devem estar cabalmente demonstradas. Não comprovada as hipóteses previstas no referido dispositivo legal, pertinente torna-se a manutenção do inventariante, especialmente por existir dúvida razoável, à época da nomeação, da união estável mantida pelo de cujus, posteriormente reconhecida em ação própria nas vias ordinárias, revelando correta a decisão que, com base no art. 990 do CPC/1973, nomeou o filho do falecido. PARTILHA DE BENS. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1.790 DO CÓDIGO CIVIL. DECISÃO EXPRESSADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, NO JULGAMENTO DO RE 878.694/MG, AINDA NÃO ENCERRADO. EQUIPARAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL COMO UNIDADE FAMILIAR AO DIREITO SUCESSÓRIO. APLICAÇÃO DO ART. 1.829 DO CÓDIGO CIVIL. DECISÃO REFORMADA. Em decisão já retratada por ampla maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 878.694/MG, embora não encerrado, deve ser reconhecida a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil, por violação ao art. 226, § 3º, da Constituição Federal, com o direito sucessório dos companheiros, sobre os bens adquiridos onerosamente, na constância da união estável, como os bens particulares do de cujus devendo obedecer o art. 1.829 do Código Civil. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 0155793-64.2015.8.24.0000, de Campo Belo do Sul, j. 26.1.2017).
Diante de tal quadro, com a aplicação das mesmas regras previstas no artigo 1.829 do Código Civil, a recorrente teria direito à totalidade da herança da companheira, de modo que não se justificaria a exigência imposta na origem para a procedência do pedido expedição de alvará para transferência do único bem deixado pela de cujus, qual seja, a prova de renúncia dos direitos hereditários de todos os herdeiros colaterais como condição para a procedência do pedido.
Por conseguinte, autoriza-se a liberação do alvará judicial para permitir a transferência do bem no órgão de trânsito para o nome da recorrente ou o nome de quem esta indicar, nos termos do pedido inicial. Necessário esclarecer que a expedição de alvará não configura, de modo algum, o pagamento de quinhão hereditário à apelante, situação que dependerá, logicamente, se for o caso, de um processo de inventário.
3 Por todo o exposto, conhece-se do recurso e dá-se-lhe provimento para reformar a sentença e julgar procedente o pedido para que seja autorizada a liberação do alvará judicial, nos termos da inicial.
Este é o voto.
Gabinete Desembargador Sebastião César Evangelista
Ementa na Íntegra:
PROCEDIMENTO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. PEDIDO DE EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ. AUTORIZAÇÃO PARA TRANSFERÊNCIA DE VEÍCULO PERTENCENTE Á COMPANHEIRA, JÁ FALECIDA. EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE RENÚNCIA DOS HERDEIROS COLATERAIS. ART. 1.790 DO CÓDIGO CIVIL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. REFORMA. DECISÃO PROFERIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, EM REPERCUSSÃO GERAL, NO JULGAMENTO DO RE N. 646721/RS. TEMA 498. ALCANCE DO DIREITO SUCESSÓRIO EM FACE DE UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. EQUIPARAÇÃO COMO UNIDADE FAMILIAR. INTERPRETAÇÃO À LUZ DOS PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. APLICAÇÃO DAS REGRAS DO ART. 1.829 DO CÓDIGO CIVIL. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002. (STF, RE n. 646721/RS).

(AC: 03061372420158240011 Brusque 0306137-24.2015.8.24.0011, Relator: Sebastião César Evangelista, Data de Julgamento: 01/03/2018, Segunda Câmara de Direito Civil,TJ-SC)
Fonte: IBDFAM
2018-05-25T17:58:47-03:00