Levantamento de FGTS para pagamento de pensão alimentícia.

Chamada:

(…) Não há falar em expedição de alvará para levantamento de FGTS pertencente ao alimentante quando, em ação de alimentos, ficou acordado que a pensão alimentícia incidiria apenas sobre percentual dos rendimentos líquidos do genitor, deixando o título de prever quaisquer reflexos nos créditos decorrentes de verbas rescisórias e de FGTS. Havendo pretensão de extensão do percentual devido a título de alimentos, de modo a incidir sobre esse tipo de parcela, deverão os interessados lançar mão da ação judicial cabível, de natureza contenciosa.

Jurisprudência na Íntegra:

Apelação Cível n. 0312095-36.2017.8.24.0038, de Joinville
Relator: Desembargador Saul Steil
APELAÇÃO CÍVEL. ALVARÁ JUDICIAL. LEVANTAMENTO DE FGTS PARA PAGAMENTO DE PENSÃO ALIMENTÍCIA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DO AUTOR. ALEGAÇÃO DE ACORDO QUANTO À APLICAÇÃO DO MESMO PERCENTUAL DO SALÁRIO SOBRE AS VERBAS DO FGTS. IMPOSSIBILIDADE. VERBA QUE TEM NATUREZA DE PECÚLIO, E QUE NÃO FAZ PARTE DO SALÁRIO. CASO QUE NÃO SE ENQUADRA NO ROL DAS SITUAÇÕES DE POSSIBILIDADE DE MOVIMENTAÇÃO DA CONTA VINCULADA DO FGTS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
Não há falar em expedição de alvará para levantamento de FGTS pertencente ao alimentante quando, em ação de alimentos, ficou acordado que a pensão alimentícia incidiria apenas sobre percentual dos rendimentos líquidos do genitor, deixando o título de prever quaisquer reflexos nos créditos decorrentes de verbas rescisórias e de FGTS. Havendo pretensão de extensão do percentual devido a título de alimentos, de modo a incidir sobre esse tipo de parcela, deverão os interessados lançar mão da ação judicial cabível, de natureza contenciosa. (Apelação Cível n. 0307233-24.2014.8.24.0039, de Lages, rel. Des. Júlio César M. Ferreira de Melo, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 13-10-2016).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0312095-36.2017.8.24.0038, da comarca de Joinville 3ª Vara da Família em que é Apelante E. G. B. da S.
A Terceira Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.
O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Fernando Carioni, com voto, e dele participou o Excelentíssimo Senhor Desembargador Marcus Tulio Sartorato.
Florianópolis, 20 de março de 2018.
Desembargador Saul Steil
Relator
RELATÓRIO
E. G. B. da S., representado por A.de L.B.B. ingressou com pedido de alvará judicial sustentando que em ação de guarda, o genitor J.F.da S. ficou obrigado ao pagamento de 25% de seus rendimentos a título de pensão alimentícia e, conforme sentença prolatada, e, tendo em vista que foi demitido em 2016, o mesmo percentual deveria ser descontado do FGTS recebido pelo genitor no momento de sua demissão.
Alegou que, com efeito, foi realizado o desconto em seu termo de rescisão, todavia os valores não foram depositados na conta da guardiã do menor, mas em conta própria da Caixa Econômica Federal, motivo pelo qual requer o termo de autorização judicial para a liberação dos valores (fls. 1-5).
O Ministério Público manifestou-se no sentido de que o FGTS possui caráter indenizatório e não salarial, opinando pelo indeferimento do pleito (fls. 32-33).
Sobreveio sentença (fls. 34-36) que julgou improcedente o pedido exordial, condenando a parte autora ao pagamento das despesas processuais, suspensa, todavia, a exigibilidade em decorrência do benefício da justiça gratuita.
Irresignado, o autor interpôs recurso de apelação (fls. 45-49).
Apontou que houve incidência de alimentos sobre todas as verbas rescisórias, encontrando-se efetivamente depositadas na instituição financeira, devendo ser oficiada a Caixa Econômica Federal quanto a existência de valores a serem pagos ao menor, retidos sobre o FGTS do genitor.
Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Murilo Casemiro Mattos, opinando pelo conhecimento e desprovimento do recurso.
Este é o relatório.
VOTO
Conheço do recurso, porquanto presentes os pressupostos de admissibilidade.
Cuida-se de pedido de alvará judicial formulado por E. G. B. da S., representado por A.de L.B.B para levantamento de valores depositados na conta vinculada do alimentante no FGTS, eis que a porcentagem a ser paga a título de alimentos deve recair sobre os rendimentos, bem como sobre o FGTS recebido em caso de demissão.
A sentença julgou improcedente o pedido do autor, eis que o FGTS constitui verba de caráter indenizatório, não sendo passível de incidência da prestação alimentícia.
Por esse motivo, o autor interpôs recurso de apelação.
Sustentou que houve menção expressa de que o valor da pensão seria de 25% dos rendimentos do autor, descontados apenas os encargos da previdência social e imposto de renda, o que demonstra a nítida intenção de incluir todos os demais descontos na base de cálculo.
Pois bem.
Inicialmente é necessário esclarecer que o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço- FGTS tem natureza jurídica de pecúlio, cujo objetivo principal é proporcionar à pessoa demitida condições mínimas necessárias para sua sobrevivência enquanto não encontrar novo emprego, permitido o saque, ademais, em casos outros que a legislação permita.
Neste passo, a Lei 8.036/90, que dispõe sobre o Fundo de Garantia por tempo de Serviço, no artigo 20, estabelece as hipóteses em que o saldo de FGTS poderá ser movimentado, e a autorização pretendida pelo autor não está incluída na previsão legal.
Contudo, o rol do artigo 20 não pode ser considerado taxativo, eis que, em determinadas situações, existe a possibilidade do levantamento do FGTS do empregado quando se tratar, por exemplo, de obrigação alimentar de um dependente.
Nesse sentido, ainda que o Superior Tribunal de Justiça considere a possibilidade de levantamento de valores em conta vinculada do FGTS para suprir a pensão alimentícia e excepcionar o rol legal, para o recebimento do crédito alimentar, é necessário que esteja demonstrado que foram esgotados todos os meios legais para o seu recebimento, ou, quando expressamente pactuado, o que, no caso, não ocorreu.
Isso porque, não ficou demonstrada a existência de qualquer dívida alimentar por parte do genitor, e que, ainda que reduzido o valor da pensão em decorrência da demissão do alimentante, tão situação não priva o alimentado da sua dignidade a ensejar o deferimento do pedido.
A sentença que fixou a pensão alimentícia dispõe que:
[…] o réu-alimentante pagará, doravante, a título de alimentos ao filho o valor correspondente a 25% de seus rendimentos, descontados apenas os encargos da previdência social e imposto de renda, se houver. O valor da pensão deverá ser descontado diretamente da folha de pagamento do réu e mensalmente depositado na conta bancária da avó materna do alimentando, a qual será informada posteriormente. Em caso de desemprego ou trabalho autônomo do réu, o valor da pensão corresponderá a 50% do salário mínimo pagos até o 5º dia útil de cada mês, através de depósito bancário na conta bancária que será informada pelos autores […] (fl. 10).
Desse modo, conforme o acordo realizado entre as partes, não restou expressamente pactuado que a pensão deveria incidir sobre as verbas rescisórias nem sobre o Fundo de Garantia do alimentante, mas somente sobre seus rendimentos.
Ademais, o FGTS não integra a base de cálculo da obrigação alimentar, dado que não se insere no conceito de salário, constituindo “uma indenização, uma poupança forçada, um pecúlio, uma reserva previdenciária, de que pode lançar mão o trabalhador nas situações previstas em lei” (REsp n.º 99.795-SP, Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar).
Nas lições de Carlos Roberto Gonçalves:
A pensão deve ser estipulada, como retromencionado, em percentual sobre os rendimentos auferidos pelo devedor, considerando-se, porém, somente as verbas de caráter permanente, como o salário recebido no desempenho de suas atividades empregatícias, o 13º salário e outras, excluindo-se as recebidas eventualmente, como as indenizações por conversão de licença-prêmio ou férias em pecúnia, o levantamento do FGTS (que se destina a fins específicos), as eventuais horas extras, o reembolso de despesas de viagem etc. (in Direito Civil Brasileiro. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 488).
Nesse sentido, o STJ se manifestou:
ALIMENTOS. FGTS. NATUREZA NÃO SALARIAL. ACORDO QUE NÃO PREVÊ A INCIDÊNCIA. I – Já decidiu esta Corte que o FGTS não se insere no conceito de salário, tratando-se de verba indenizatória. II – Não constando do acordo firmado entre as partes a possibilidade de incidência de pensão alimentícia sobre os depósitos do FGTS, não se justifica o seu bloqueio e, menos ainda, o levantamento por parte do alimentando, no momento da aposentadoria do alimentante, tanto mais quando não há registro nos autos de que tenha havido interrupção no pagamento da pensão mensal. Recurso especial provido (STJ, REsp nº 214.941 – Rel. Min. Castro Filho – j. em 18/02/02).
FGTS. Levantamento dos saldos. Pagamento de resgate do mútuo. Possibilidade. 1. A numeração do art. 20, da Lei 8.036/90, não é taxativa, sendo possível, em casos excepcionais, o deferimento da liberação dos saldos do FGTS em situação não elencada no mencionado preceito legal. Precedentes da 1ª Turma. 2. Encontrando-se o mutuário em dificuldades financeiras, inadimplente perante o SFH, caracteriza-se a “necessidade grave e premente”, prevista no disposto no art. 8º, II, c, da Lei n.º 5.107/66 e na Lei. n.º 8.036/90, interpretada extensivamente, de forma autorizá-lo a levantar o fundo de garantia para saldar as prestações em atraso. 3. Ao aplicar a lei, o julgador subsunção do fato à norma, deve estar atento aos princípios maiores que regem o ordenamento e aos fins sociais a que a lei se dirige (art. 5.º, da Lei de Introdução ao Código Civil). 4. Recurso especial improvido. (Acórdão RESP 322302 / PR ; RESP, 2001/0051541-0, Fonte DJ:07/10/2002 , Relator Min. Luiz Fux (1122), Data da Decisao 17/09/2002, Orgão Julgador , T1).
[…] A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça somente tem admitido a Penhora de verbas de natureza alimentar, bem como de valores decorrentes de FGTS, depositadas em conta-corrente, nas hipótese de execução de alimentos. Nas demais execuções, as referidas verbas estão resguardadas pela impenhorabilidade prevista no art. 649, inciso IV, do Código de Processo Civil (STJ, REsp nº 805.454 SP, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, j. em 8/2/2010).
Nessa mesma linha, esta Corte já decidiu:
APELAÇÃO CÍVEL. ALVARÁ JUDICIAL. PRETENSÃO DE LEVANTAMENTO DE PARTE DE VALOR DE FGTS DO ALIMENTANTE, SUPOSTAMENTE RETIDO PELA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL A TÍTULO DE OBRIGAÇÃO ALIMENTAR. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DOS AUTORES. AUSÊNCIA DE PREVISÃO NO TÍTULO JUDICIAL QUE ESTABELECEU A OBRIGAÇÃO ALIMENTAR DE INCIDÊNCIA SOBRE VERBAS RESCISÓRIAS OU INDENIZATÓRIAS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. – Não há falar em expedição de alvará para levantamento de FGTS pertencente ao alimentante quando, em ação de alimentos, ficou acordado que a pensão alimentícia incidiria apenas sobre percentual dos rendimentos líquidos do genitor, deixando o título de prever quaisquer reflexos nos créditos decorrentes de verbas rescisórias e de FGTS. Havendo pretensão de extensão do percentual devido a título de alimentos, de modo a incidir sobre esse tipo de parcela, deverão os interessados lançar mão da ação judicial cabível, de natureza contenciosa. (Apelação Cível n. 0307233-24.2014.8.24.0039, de Lages, rel. Des. Júlio César M. Ferreira de Melo, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 13-10-2016).
Como visto, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço não pode sofrer desconto semelhante ao que ocorre na remuneração mensal do trabalhador. Isso porque não possui natureza rescisória, de modo que não pode haver retenção para descontos de alimentos.
Convém ressaltar que a verba decorrente do FGTS tem a finalidade de garantir ao desempregado que suas despesas imediatas sejam cobertas, todavia, se o alimentante não possui outros meios de arcar com o pagamento de alimentos ao seu dependente, existe a possibilidade do levantamento do FGTS do trabalhador, mas somente quando não restar mais nenhuma hipótese de recurso para a quitação da dívida alimentar.
Desse modo, ressaltando que o artigo 20 da Lei 8.036/90 estabelece as hipóteses em que pode haver o levantamento de valores da conta vinculada do FGTS, e, tendo em vista que o caso em apreço não se enquadra nas situações previstas no rol, e que, ademais, não foi comprovado ter sido o desconto expressamente pactuado entre as partes, não há de se deferir o pleito inicial.
Diante do exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento.
Este é o voto.
Gabinete Desembargador Saul Steil
Ementa na Íntegra
APELAÇÃO CÍVEL. ALVARÁ JUDICIAL. LEVANTAMENTO DE FGTS PARA PAGAMENTO DE PENSÃO ALIMENTÍCIA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DO AUTOR. ALEGAÇÃO DE ACORDO QUANTO À APLICAÇÃO DO MESMO PERCENTUAL DO SALÁRIO SOBRE AS VERBAS DO FGTS. IMPOSSIBILIDADE. VERBA QUE TEM NATUREZA DE PECÚLIO, E QUE NÃO FAZ PARTE DO SALÁRIO. CASO QUE NÃO SE ENQUADRA NO ROL DAS SITUAÇÕES DE POSSIBILIDADE DE MOVIMENTAÇÃO DA CONTA VINCULADA DO FGTS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Não há falar em expedição de alvará para levantamento de FGTS pertencente ao alimentante quando, em ação de alimentos, ficou acordado que a pensão alimentícia incidiria apenas sobre percentual dos rendimentos líquidos do genitor, deixando o título de prever quaisquer reflexos nos créditos decorrentes de verbas rescisórias e de FGTS. Havendo pretensão de extensão do percentual devido a título de alimentos, de modo a incidir sobre esse tipo de parcela, deverão os interessados lançar mão da ação judicial cabível, de natureza contenciosa. (Apelação Cível n. 0307233-24.2014.8.24.0039, de Lages, rel. Des. Júlio César M. Ferreira de Melo, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 13-10-2016).
(AC: 03120953620178240038 , Relator: Saul Steil, Data de Julgamento: 20/03/2018, Terceira Câmara de Direito Civil,TJ-SC)

 

2018-04-20T19:14:02-03:00